Com uma sequência de rombos nas contas públicas e a fatura deixada pela crise da covid-19, o Tesouro Nacional reconheceu pela primeira vez que a dívida bruta do governo vai ultrapassar os 100% do PIB nos próximos anos. A marca será atingida em 2025, quando o endividamento chegará a 100,5% do PIB.

O pico será em 2026, quando o indicador chegará a 100,8% do PIB, na esteira de uma sucessão de 13 anos de rombos nas contas (desde 2014). No cenário atual, as contas devem voltar ao azul apenas em 2027.

Em 2020, a dívida bruta do governo geral (DBGG) deve encerrar em 96,0% do PIB, bem acima dos 75,8% verificados no fim do ano passado. O principal fator a impulsionar este aumento é a pandemia do novo coronavírus, que tornou necessária a ampliação de gastos para combater os efeitos da doença.

Numa comparação internacional, o próprio Tesouro mostrou que esse patamar de endividamento está próximo do de países cuja capacidade de pagamento é classificada como de “alto risco”, um grupo que inclui a Argentina (com dívida de 98,7% do PIB). O diferencial brasileiro, no entanto, é a quantidade expressiva de reservas internacionais (US$ 356 bilhões), ao contrário do país vizinho, que não tem uma grande linha de defesa externa e já precisou repactuar a dívida recentemente.

A dívida bruta do Brasil vem crescendo desde 2014, quando o País começou a ter déficits em suas contas. No ano passado, houve uma queda de 76,5% para 75,8% do PIB com redução no rombo e a ajuda de devoluções de aportes feitos no BNDES, mas a tendência foi revertida neste ano devido à crise. Ontem, o Banco Central anunciou que a dívida já passou dos 90% do PIB.

O tamanho expressivo da dívida brasileira, que já era um ponto de atenção antes da crise, tem se tornado foco de maior preocupação diante da recente mudança no perfil desses compromissos. Com dificuldades para se financiar no mercado devido à aversão a risco dos investidores e também da desconfiança em relação à continuidade das reformas no Brasil, o Tesouro Nacional precisou emitir títulos com prazo cada vez mais curto.

Como mostrou o Estadão, uma fatura de mais de R$ 650 bilhões em dívidas do governo federal vence entre janeiro e abril de 2021. O valor é mais que o dobro da média registrada dos últimos cinco anos.

A dívida líquida, que desconta dos indicadores ativos como as reservas internacionais, deve ficar em 68,2% em 2020 e atingir pico de 87% em 2028.

“É chegada a hora de pagar endividamento de 2020, e a forma de pagar é com reformas”, disse o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.”

Cenário

Apesar do patamar elevado da dívida bruta do governo, seu nível não vai crescer tão rapidamente nos próximos anos como ocorreu em 2020, disse o coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Luiz Fernando Alves. “Além da melhora na atividade econômica, temos uma janela de juros baixos. Essa combinação impede que a dívida aumente de maneira mais veloz, mesmo com déficit nas contas”, explicou Alves. Ele alertou, no entanto, que o espaço para absorver novos choques é “bastante reduzido”.

Além disso, o cenário já ruim pode piorar. O Tesouro traçou um panorama alternativo para medir como o endividamento reagiria a uma combinação de três choques (juros altos, crescimento baixo e contas ruins). Nessa situação, a dívida bruta subiria sem parar nos próximos anos e chegaria a 125,2% do PIB em 2029. Já a dívida líquida também aceleraria e alcançaria 113,1% do PIB em 2029.